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Está ativa? (considerar as rodas e lugares ativos até a pandemia)
Não
Região
Cidade/Estado
Endereço
Bar Santa Terezinha (Rua Francisco Ênes, 124 – Penha Circular) Armazém do Ferreira (Rua Enes Filho, Penha Circular) Roda da Jaqueira (Rua Francisco Enes, Penha Circular – casa verde e rosa)
Descrição Geral e/ou Histórico
O Sovaco de Cobra foi um reduto de chorões criado no subúrbio da Leopoldina, no bairro da Penha Circular, nos anos 1960. O ponto de encontro inicial foi no bar Santa Terezinha, na Rua Francisco Ênes, 124, de propriedade de Manoel Ferreira da Silva, conhecido como Manoel Português ou Zé da Garfanha. Segundo Mauricio Carrilho, a tradição de tocar no bar veio do encontro entre amigos que gostavam de tocar choro e pescar. Entre eles estavam o bandolinista Joel Nascimento e o seu irmão, o violonista de 7 cordas, Joir Nascimento, o bandolinista Motinha e o seresteiro e pandeirista Zé Bode (José Gomes). Reuniam-se no bar no sábado, no final da tarde, e ficavam tocando para fazer uma hora para pescaria, que era sábado à noite. Depois que voltavam de manhã com os peixes, o bar já tinha aberto novamente. Iam para lá tomar cerveja ou fritar o peixe que tinham pescado e continuavam a tocar na roda de choro, que acontecia todo domingo de manhã e se estendia até a tarde. Em 1969 o bar ganhou o nome de Sovaco de Cobra, batizado por Zé Bode, alegando que o bar com nome de santa não combinava com a farra que faziam. Entre 1969 e 1975 o Sovaco de Cobra passou a ser frequentado também pelo Grupo Chapéu de Palha (tendo a dupla Zé da Velha e Rubinho do Pistom como integrantes), por Abel Ferreira, Dino 7 Cordas, Meira e Canhoto, Lino (irmão mais velho de Dino 7 cordas), Jorginho do Pandeiro, Índio do Cavaquinho, entre outros.
A profissionalização de Joel Nascimento, a partir de 1974, fez com que o bar fosse ganhando projeção nacional a partir de matérias na imprensa carioca. Uma delas: O choro vem da Penha – é choro de botequim, de Juarez Barroso (22/12/1975) descreve uma roda de choro no domingo, quando a família Silva (família de Dino 7 Cordas) apareceu de surpresa e noticia a participação de músicos frequentadores do bar (Joel do Bandolim, seu irmão Joir, Zé da Velha e Rubinho), ao lado do Época de Ouro e do regional do flautista Eugênio Martins, no show daquela noite, promovido pelo Clube do Choro do Rio de Janeiro que homenagearia os 40 anos de Dino 7 Cordas no Teatro Casa Grande.
Mauricio Carrilho passou a frequentar o bar entre 1976 e 1977, quando o ponto já havia mudado para o Armazém do Ferreira, um espaço um pouco maior que o bar original, que ficava em frente à casa de Joir Nascimento e a 200 metros da casa de Joel Nascimento. Conta que procurava chegar bem cedo (às vezes tendo passado a madrugada acordado em outra roda de choro no sábado à noite), porque era o horário onde se encontravam os músicos que tocavam bem e não tinha barulho. Segundo ele, era comum que a roda se estendesse nas casas das pessoas, quando o bar ficava muito cheio. Betinho, era uma dessas pessoas, que abria a sua casa, que veio a ser um terceiro ponto do Sovaco, na Penha, conhecido como a Roda da Jaqueira. Mauricio conta que ele era dono de uma fábrica de móveis na Penha, não tocava nada, mas adorava choro e gostava de receber as pessoas. Fabricava brindes do bar como uma miniatura de tamanco que era um abridor de garrafa. Sergio Prata lembra que Betinho também era o presidente do Bloco das Piranhas da Penha Circular, cujos integrantes saíam no carnaval vestidos de mulher, período no qual as rodas de choro no Sovaco eram suspensas.
Nas rodas do Sovaco de Cobra conviviam músicos de choro de diversas procedências e gerações. Havia o flautista Berrêdo (Durval de Berrêdo Guimarães), septuagenário, criado em uma família de músicos em Caxias do Maranhão, figura lendária que chegou a participar, quando jovem, dos saraus na casa de Alfredo da Rocha Vianna, pai de Pixinguinha. Berrêdo conheceu e tocou com Candinho Silva, Luperce Miranda e Jacob do Bandolim, era guardião de cadernos de partituras de chorões antigos e fundador do Retiro da Velha Guarda, reduto de chorões em Jacarepaguá. Era famosa, entre os frequentadores do bar, a sua performance da polca Coralina, Albertino Pimentel (1874-1929), gravada mais tarde por Joel Nascimento. Outros nomes frequentadores do Sovaco de Cobra foram o Sr. Orlando, clarinetista de 70 e poucos anos; Waldemar do cavaquinho, que tocava com Pixinguinha; o flautista Álvaro Carrilho (irmão de Altamiro Carrilho e pai de Mauricio), o violonista Caçula, jovens como Raphael Rabello, Luciana Rabello, Mauricio Carrilho, Tony 7 cordas, Sergio Prata e Paulinho do Bandolim (Paulo Alves), Rodrigo Campello, Beth Ernest Dias, Paulo Mota, o regional do bandolinista Walter Moura, entre outros. Sobre as figuras inusitadas que apareciam por lá, Mauricio conta: – Uma vez foi um clarinetista que tocava muito. Era caminhoneiro e por acaso estava no Rio e tocou na roda. Tinha trinta e poucos anos. [...] Aparecia músico tocando Serra da boa esperança no serrote, para fazer trocadilho.
A partir de 1977 o bar começou a se descaracterizar sob a coordenação do ex-policial De Paula. Uma das mudanças foi o pagamento de um grupo fixo para tocar nas rodas de domingo. Não mais havia a espontaneidade dos músicos chegarem e tocarem. O Sovaco de Cobra passou a funcionar como boîte aos sábados, à noite, para a revolta dos mais assíduos frequentadores. A partir desse momento Joir e Betinho lideraram um movimento de ruptura com o bar, criando a Roda da Jaqueira, com uma feijoada aos domingos, onde os músicos passaram a frequentar, mas não durou muito tempo, segundo Sérgio Prata.
De Paula registrou o nome Sovaco de Cobra e passou a abrir filiais pela cidade. O fato foi denunciado pelas jornalistas Diana Aragão e Lena Frias: “Como tudo que é bom atrai os imitadores e toda arte incita ao pastiche, o Sovaco de Cobra, respeitável núcleo de choro do bairro da Penha (rua Francisco Ennes) não escapou à lamentável e grosseira imitação: gente inescrupulosa, sem respeito pela arte, artista ou público, passou a usar o nome do Sovaco de Cobra, à revelia dos autênticos chorões da Francisco Ennes, para fins comerciais, beneficiando-se da penetração do verdadeiro Sovaco junto ao público e falsificando as intenções do grupo de Joel do Bandolim, gente vinda de fora, sem qualquer vínculo com o bairro ou com a música, apossou-se do outrora simpático armazém na esquina da Rua Ennes Filho com a Travessa Arsênio Silva, instituindo ali um local para exploração do público. Nesse falso reduto do choro, comandado pelo ex-policial De Paula, a cerveja custa mais que o preço normal, os salgadinhos (batizados com nomes de ocasião, empadas do Sovaco, sopa do Sovaco e outras denominações duvidosas) são caríssimas e ninguém está interessado em música”.
Segundo Mauricio Carrilho as rodas de choro no Sovaco de Cobra foram uma verdadeira escola de choro para ele e todos os músicos de choro de sua geração.
Informações Complementares
Outros nomes de músicos que passaram pelo Sovaco de Cobra, lembrados por Mauricio Carrilho: Waldir Caciporé, Sr. Mário (cavaquinho), Josias (Chapéu de Palha), Odete Ernest Dias, Aranha (tocava flauta de folha de flandres), Carlos Poyares, Flávia (flautista do Anjos da madrugada), Rosane Wortman (flautista do Rio Antigo, grupo do bandolinista Calafate)
Referências
CARRILHO, Mauricio. Depoimento à equipe de pesquisa realizado em 1º de junho de 2021.
PRATA, Sérgio. Depoimento à equipe de pesquisa realizado em 19 de agosto de 2021.
Blog Alma de Bar. Um boteco chamado Sovaco de Cobra. Disponível em https://almadebar.com.br/um-boteco-chamado-suvaco-de-cobra/. Acesso em 12 de agosto de 2021.
Blog Identidades do Rio. O bar Sovaco de Cobra foi ponto de encontro de músicos de choro. Disponível em http://www.pensario.uff.br/audio/1975-bar-sovaco-de-cobra-foi-ponto-de-encontro-de-musicos-choro. Acesso em 12 de agosto de 2021.
RIZZI, Celso. O Sovaco de Cobra. In. O chorinho através dos tempos. Disponível em https://books.google.com.br/books?id=eTWtCwAAQBAJ&pg=PT91&lpg=PT91&dq=o+sovaco+de+cobra+celsoo+rizzi&source=bl&ots=k0mln66qnU&sig=ACfU3U1mGNeuwcnMKg_DVlHx7oVCuaBF4w&hl=en&sa=X&ved=2ahUKEwjfltejwLPyAhX-r5UCHSQ4CRQQ6AF6BAgTEAM#v=onepage&q=o%20sovaco%20de%20cobra%20celsoo%20rizzi&f=false. Acesso em 15 de agosto de 2021.
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http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_09&Pesq=%22Clube%20do%20Choro%22&pagfis=184315 Acesso em 13 de agosto de 2021.