A exposição Vozes femininas na CTMR, por meio de fotografias do acervo do Museu das Telecomunicações/UFPEL e de relatos de antigas trabalhadoras da empresa, apresenta peculiaridades da atuação dessas mulheres, como, por exemplo, suas tarefas cotidianas e normas que deveriam ser seguidas, no contexto de atribuições para o trabalho feminino, fora do contexto doméstico, na segunda metade do século 20.
As entrevistas foram selecionadas entre os relatos organizados pelo projeto Museu das Vozes, em 2005, coordenado pela Profa. Dra. Maria Letícia Mazzucchi Ferreira. O conjunto é formado por 21 entrevistas, sendo 7 de mulheres e 14 de homens.
As divisões de trabalho, na Companhia, tiveram como modelo as usadas na primeira central telefônica do mundo, inaugurada em 1878, localizada em Connecticut, nos Estados Unidos. Havia uma divisão de gêneros em que, de maneira geral, os homens eram direcionados para as áreas técnicas e as mulheres para as áreas sociais da telefonia, ocupando os cargos de telefonistas e funções na área administrativa e nas recepções.
Na pesquisa, foram identificadas algumas funções desenvolvidas por estas mulheres que se tornaram pouco usuais na sociedade atual, sendo elas a de Telefonista, de Encarregada das Telefonistas, de organização da lista de assinantes (no Setor das Listas Telefônicas), de secretária e contabilista (na Administração) e de Taxista (no atendimento dos clientes, no Setor de Cabines Telefônicas. Nesta exposição, trabalhou-se com trechos de relatos de antigas Telefonistas e Taxistas. São mulheres que atuaram na Companhia entre 1947 e o final da década de 1990, quando teve início a privatização das telecomunicações, no Brasil.
Era muito cansativo, eu acho que eu fiquei com o problema de coluna porque as cadeiras não eram confortáveis, vocês estão vendo que as cadeiras que a gente sentava eram aquilo ali, dura. E nas costas a gente batia muito, e eu era magrinha, eu batia muito com as costas, eu tinha calo, calo nos ossos da coluna. Era de tanto… nesse horário que a gente trabalhava das 7:30 às 11:30 era um terror, era horário de comércio, era o horário que o comércio estava funcionando. ”
Leopoldina Ebeling Caldeira – Começou a trabalhar, na CTMR, em 1947 na Central Telefônica do Santo Amor.
E aí eu fui muito faceira pois era o meu primeiro emprego e fui na telefônica fazer toda a papelada e, aí comecei o trabalho e para onde era? Para a sala do tráfego interurbano manual, a sala das telefonistas, pois na época era tudo manual. Então comecei a trabalhar no dia 12 de novembro de 69. Quando eu entrei naquela sala confesso que me assustei, porque era tanta luzinha piscando, aquela série de mesas, uma mesa do lado da outra, no segundo andar do prédio de pastilhas. Então era sala cheia de luzinha, acende e apaga, aquelas telefonistas, aquele monte de fios pendurados, e aquelas mãos que não paravam e eu disse: “será que eu vou aprender?”
Leila Universina Jardim Jorge – Começou a trabalhar, na CTMR, em 1969.
É que eu sempre tive horror de trabalhar em escritório e, eu sempre dizia que queria trabalhar na Telefônica de telefonista, eu adorava! Achava que era uma coisa maravilhosa e era uma coisa danada, porque tudo passava por ali. Às vezes uma ligação para a Bahia, que a gente não tinha nem noção de onde era. Eu fui para lá porque eu gostava, e acho que isso ajudou a aprender rápido o serviço.
Yolanda de Avila Pedreira – Começou a trabalhar, na CTMR, em 1974.
Quem tinha o aparelho manual, tinha que pedir para a telefonista. A telefonista que atendia, porque acendia uma luzinha na mesa. Cada telefone tinha uma luzinha, cada luzinha era o número de um telefone, o meu era 115 na época. Então ela atendia e fazia a ligação, e quando eu terminava de falar, dava um sinal na mesa. Aí ela tirava aquela bananinha e desconectava, era assim. E aquilo funcionava noite e dia.
Maria Regina Santos – Começou a trabalhar em 1971.
A noite diminuía, porque não eram todas as mesas que trabalhavam, depois das 10 diminuía o movimento, e isso fazia com que não precisassem de muita gente, e com a chefe era mais uma…… Quando tinha o final de uma novela era muito engraçado porque parava tudo. Final de novela, tu podias ficar quieta, parada, tranquila, porque quando terminava a novela era uma loucura total, ninguém ligava na hora da novela, isso era muito engraçado, futebol também, todas essas coisas quando a gente estava trabalhando eram assim.
Yolanda de Avila Pedreira – Começou a trabalhar, na CTMR, em 1974.
Ele não admitia que nós usássemos pantalona, só saia. Podia estar o frio que tivesse que nós não podíamos usar pantalona. Aí nós fizemos uma comissão e fomos conversar com ele. Então fomos lá pedir para ele, porque a gente passava horas sentadas. Ali era muito frio, tinha ar condicionado, mas a gente saía para a rua, era frio e todo mundo usava calça comprida e nós não podíamos usar. Então a gente foi pedir para ele, aí ele relutou, relutou e nós insistindo, insistindo. Aí ele disse assim: “Está bem, vocês querem usar, vocês podem usar, mas vocês vão tapar as pernas de vocês que são muito bonitas, mas se vocês quiserem usar, podem usar!”. Aí ele deixou nós usarmos pantalona, mas ele era bem sério, nada de brincadeira.
Maria Regina Santos – Começou a trabalhar em 1971.
Era assim que funcionava, aí para tu veres o que é a tecnologia, hoje a gente levanta o fone e fala para onde quer, uma maravilha! Mas naquela época era bem assim e bem desgastante, porque nós tínhamos telefonistas, que eu não vou citar o nome agora, que elas ficavam bravas e brigavam. Brigavam porque elas queriam passar a ligação e nós tínhamos serviço, e elas diziam “não, porque é de urgência e tenho que passar, porque o Seu Fulano”, …. Então tinha que entrar a telefonista chefe, para conversar com ela e dependendo do assunto até elas às vezes cediam ou não, porque nós também tínhamos os nossos assinantes que, também, queriam falar e todo mundo… era assunto importante porque naquela época ninguém ligava para bater papo, eram coisas de negócio, a maior parte eram firmas, que pediam (ligações), tinha uma prioridade. Sempre que chegavam as ligações, passava na frente e como hospitais, médicos, essas coisas assim, a gente sempre… a telefonista chefe determinava e a gente obedecia.
Maria Regina Santos – Começou a trabalhar em 1971.
Mas depois que eu passei para telefonista encarregada, o trabalho era de passar de mesa em mesa, às vezes socorria uma lá “aí, a fulana não está me atendendo” e chorava às vezes porque não estava conseguindo passar o serviço, pelo fato do outro lado não estar atendendo direito. Davam aquelas brigas no telefone, e elas entravam em stress, adoeciam, ficavam chorosas, e lá a gente tinha que ir, entender, tentar acalmar e aí sentava um pouco na mesa e tentava, aí chamava a chefe do outro lado e aí chefe com chefe “vamos conversar, está acontecendo isso na mesa tal”.
Leila Universina Jardim Jorge – Começou a trabalhar, na CTMR, em 1969.
Então, o seu primeiro trabalho foi como telefonista?…
Não como telefonista, atendente. Eles colocaram na minha carteira taxista, na época se usava uma taxa ali, naquela parte das ligações das cabines, se usavam taxa, então na minha carteira está taxista, nem sei dirigir carro!
Era péssimo, eu quase morri ali: no fim de semana trabalhava uma só e durante a semana em dupla. Então numa semana uma era a caixa, e na outra semana a outra. E tinha um monte de problemas de dinheiro.
Deolinda da Silva Nunes. Começou a trabalhar, na CTMR, em 1977.
Eu havia terminado o curso ginasial e buscava serviço. A CTMR estava abrindo vaga e eu fui até lá, encaminhada por uma pessoa amiga da família que estava se aposentando de lá. E realmente iam sair muitas funcionárias, estavam precisando de gente. Tem uma coisa que eu não vou esquecer nunca, o presidente olhou para minha mão e naquela época eu era noiva, e ele disse assim para mim: mas filha, tu já vais casar. Por que tu queres trabalhar? Porque era assim a mentalidade na época, a mulher não podia trabalhar. E na época era assim, casou e não podia ficar trabalhando. Então eu disse assim para ele: “não, eu sou noiva mas não vou casar agora e tenho vontade de trabalhar”. Ele disse: “tu nunca trabalhastes? E eu respondi que não. E depois de tanto conversar e ele me dizendo que eu ia sair em seguida, que casava e já ia embora, era aquela mentalidade assim, e por quê? Porque a mulher ia ter filhos, ia faltar serviço, ia ter o tempo da maternidade, da amamentação, então a mulher coitada era discriminada mesmo. Tinha que ficar solteira. Na época todas que estavam se aposentando eram solteiras. E eu comecei a argumentar com ele e ele disse: “tá, filha, estou vendo que estás interessada, passa lá na secretaria e fala com a secretária que ela vai te dizer o que tens que fazer”.
Leila Universina Jardim Jorge – Começou a trabalhar, na CTMR, em 1969.
Ficha Técnica
Coordenação: Annelise Montone.
Curadoria: Annelise Montone, Noris Mara P. M. Leal, Clarissa Neutzling e Carina Ferreira.
Criação de arte e design: Clarissa Neutzling e Carina Ferreira.
Montagem: Noris Leal, Annelise Montone, Clarissa Neutzling, Carina Ferreira, Kerllen Cavalheiro e Ana Carolina F. da Silva.