Histórico/contexto
"Reenterramento do Axé Plantado na Charqueada São João O axé plantado na charqueada São João foi entendido, pela equipe de arqueologia e por Ialorixás e Babalorixás, como um assentamento para Ogum e a Exu. O que significa a presença desse assentamento na Charqueada São João? Ogum é a divindade da tecnologia. É o inventor da arte da forja e da ferraria. É o criador das ferramentas de ferro para a agricultura (a enxada, a enxó, o ancinho) e das armas para a guerra (como a lança com ponta de ferro). Nenhuma comunidade vive ou se protege sem Ogum. Ele representa a continuidade da vida. Exu, por sua vez, é a força, o axé, que percorre os caminhos abertos por Ogum. Com seu poder de comunicação, com sua persuasão e retórica, ele caminha em múltiplas direções. Ele é o movimento da vida, o mensageiro, o propulsor da criação. Exu é a própria narrativa, o dom da criação pela palavra e pela ação, a energia que circula entre nós e a natureza, o axé que possibilita a vida. Por isso, seu símbolo é a chave. Ele abre e fecha caminhos nas encruzilhadas. É bastante significativo que, no axé plantado da Charqueada São João, tenhamos encontrado um cadeado. Ele se soma à chave, como símbolo de abertura dos caminhos. Como axés plantados, eles são divindades da resistência e da continuidade da vida. Não por acaso, narrativas afro-gaúchas nos contam que Ogum ensinou Exu a trabalhar e ambos vivem à porta da mesma casa. O assentamento evidencia que escravizados e escravizadas na Charqueada São João mantiveram suas visões de mundo em pleno cativeiro e que resistiram à escravidão. Escravizados e escravizadas, nesse espaço, foram criadores de uma poética que impeliu o encantamento do mundo. No dia 14 de novembro de 2021, o Babalorixá Eurico Pontes Nunes realizou, na Charqueada São João, uma cerimônia de reenterramento do assentamento a Ogum e Exu. O local para o reenterramento foi definido pelo Ifá: Exu orientou-nos a replantar o axé no pátio interno da Charqueada São João, ao lado da figueira. Exu autorizou, também, que o arqueólogo Lúcio Menezes Ferreira e o bailarino Daniel Amaro participassem da cerimônia de reenterramento. É importante ressaltar que o reenterramento do axé foi uma demanda da própria comunidade religiosa local, além de ter sido sugerida, também, pelo Ifá. Foi um pedido direto de Exu. Deve-se ressaltar, ainda, que alguns babalorixás e ialorixás não pediram o reenterramento, e sugeriram que mantivéssemos os objetos utilizados no axé para a educação do povo. Que os guardássemos num museu. O MAB-Sul, ao publicar essa coleção, cumpre esse papel! De qualquer maneira, o reenterramento do axé foi um gesto de honraria a nossos antepassados e às comunidades contemporâneas que vivem o sagrado afro-brasileiro. O Axé Plantado foi revitalizado, impelindo novamente a continuidade da vida, o encantamento do mundo, a resistência à desigualdade e exploração que ainda oprimem o povo negro e o sagrado afro-brasileiro."